Aula 4 - Receptação

20/08/2013 18:08

TÍTULO II – CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO 6 – RECEPTAÇÃO

Professor: Leonardo de Moraes – Advocacia Criminal e Cível.

1 – Receptação

Receptação

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influi para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

É infração penal de médio potencial ofensivo, pois a pena mínima é de 1 ano, admitindo suspensão condicional do processo. Como a pena máxima é de 4 anos, não cabe preventiva para receptador primário (art. 313 do CPP).

Existem os crimes principais (que são aqueles que não pressupõem outro para existirem, como homicídio, furto, roubo, etc) e os acessórios (que são aqueles que pressupõem outro para existirem, como é a receptação, favorecimento pessoal, favorecimento real, lavagem de dinheiro, etc).

O delito de quadrilha ou bando é crime principal, pois é a associação de pessoas para cometer crimes, que não precisam acontecer.

1 – Conduta

1.1 – Receptação própria (art. 180, 1ª parte)

“Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime”

Aqui existe o autor do crime antecedente e o receptador (aquele que adquire, recebe, transporta ou oculta a coisa que sabe ser produto de crime. O agente do crime é o receptador.

Não é necessário ajuste do autor do crime antecedente com o receptador, como no caso de indivíduo que se apodera de objeto deixado pelo ladrão em fuga, pois adquire coisa de que sabe ser produto de crime.

Nem sempre a receptação se dá por título injusto, podendo, em alguns casos, ter o direito de receber pagamento e ser receptador, quando o credor que recebe coisa  sabe ser produto de crime. Será receptador. Ex: A credor e B devedor – A recebe coisa de B (título justo) que sabe ser produto de furto – A cometeu receptação, pois mais que a dívida seja justa. Ex2: Advogado recebe a título de honorários coisa que sabe ser produto de crime (roubo).

Se a coisa é produto de contravenção penal não haverá receptação, sob pena de analogia in malam partem.

1.2 – Receptação imprópria (art. 180, 2ª parte)

“influi para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:”

Existe o autor do crime antecedente, o adquirente de boa-fé e o intermediário. O que a lei pune é o intermediário, que o receptador impróprio, que aquele que influencia a aquisição por terceiro de boa-fé (este não sabe ser a coisa produto de crime).

Se o adquirente estiver de má-fé (sabe que a coisa é produto de crime), este responderá por receptação própria e aquele que o influenciou responderá como partícipe de receptação própria.

1.3 – Observações sobre a receptação própria ou imprópria

O delito antecedente não precisa ser necessariamente contra o patrimônio, como no caso de receptação de coisa produto de peculato (crime contra a Administração Pública).

Existe receptação de coisa decorrente de ato infracional, apesar de haver corrente que aduz que como a lei apenas se refere a crime, seria a receptação de ato infracional fato atípico (Fragoso). Prevalece que a lei se refere a fato previsto como crime, e ato infracional é fato previsto em lei como crime, de sorte que a receptação de ato infracional é crime.

Não é possível a receptação de coisa imóvel, pois o objeto material do crime apenas pode ser coisa móvel, conclusão extraída do significado da palavra (pressupõe deslocamento) e dos núcleos do tipo (STF). Entretanto, existe corrente que diz que o objeto material pode ser coisa imóvel, pois a lei não restringe (Fragoso).

Não importa se a coisa é a verdadeira, ou a coisa transformada ou alterada, pois a aquisição sabendo ser produto de crime configura receptação. Assim, a coisa transformada pode ser recepcionada, como, por exemplo, furto de Troféu de ouro, que é derretido, transformado em medalhas e vendido – quem comprar, sabendo que é produto de furto, comete receptação.

2 – Sujeitos

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, pois não exige qualidade ou condição especial do agente. Entretanto, não comete receptação o concorrente do crime pressuposto (tanto autor quanto partícipe). Ex: A e B furtam veículo e B decide comprar a parte de A do veículo furtado – B não responde por receptação, pois concorreu para o delito de furto.

Em regra, não existe crime de receptação de coisa própria, salvo quando o objeto receptado (adquirido) esteja na legítima posse de terceiro. Ex: proprietário dá coisa em garantia – esta coisa é furtada por 3º e o proprietário resolve comprar a coisa.

O sujeito passivo é o mesmo do delito antecedente.

3 – Tipo subjetivo

A lei fala em “coisa que sabe ser produto de crime”.

É o dolo direto, pela expressão que diz “sabe ser”. Não é punível o dolo eventual.

O dolo deve, necessariamente, ser contemporâneo a qualquer das condutas previstas no tipo, ou seja, deve estar presente no momento da conduta. Assim, o dolo superveniente é fato atípico.

4 – Consumação

Receptação própria: consuma-se com a prática dos núcleos (coisa incluída na esfera de disponibilidade do agente). Alguns núcleos indicam crime permanente, como o ocultar, que enquanto o oculta a coisa a consumação se protrai no tempo. Admite tentativa, por exemplo, tentar adquirir.  

Receptação imprópria: consuma-se com a influência de terceiro de boa-fé, independentemente da aquisição da coisa (crime formal). A maioria da doutrina não admite tentativa, entretanto há tese minoritária admitindo a tentativa, pois é possível tentar influenciar alguém por escrito (carta que foi extraviada).

5 – Receptação doloso qualificada (art. 180, §1º)

Receptação Qualificada

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

Infração de grande potencial ofensivo, admitindo preventiva para o receptador primário.

O fundamento desta qualificadora é o crime pratica no exercício de atividade comercial ou industrial, em razão da facilitação de que pessoas de boa-fé sejam vítimas deste crime.

Trata-se, assim, de crime próprio, porquanto apenas pode ser praticado por quem exerça atividade comercial ou industrial.

É indispensável o nexo entre a receptação e a atividade comercial ou industrial exercida pelo agente. Ex: A comerciante de veículos e adquire relógio produto de crime – é receptação simples, pela ausência de nexo.  Ex2: A, comerciante de veículos, adquire veículo produto de crime para revender na loja – receptação qualificada, pois há nexo com a atividade comercial exercida pelo agente.

 O camelô está incluído na receptação qualificada, em razão da redação do art. 180, §2º:

§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência. 

O tipo subjetivo na receptação qualificada: é o dolo. Entretanto, pela sua redação “coisa que deve saber ser produto de crime”, pune-se o dolo eventual e, implicitamente, admite dolo direto. Mas há tese minoritária que apenas admite o dolo eventual, pois a redação é absolutamente clara neste sentido, sob pena de violação ao princípio da legalidade.

6 – Receptação culposa (art. 180, §3º)

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:

Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa, ou ambas as penas.

Em razão de sua pena, trata-se de infração de menor potencial ofensivo.

A lei já diz quais são os 3 comportamentos indicativos de negligência (este dispositivo não é tipo aberto):

- Natureza da coisa;

- Desproporção entre o valor e o preço;

- Condição de quem oferece.

7 – Independência típica (art. 180, §4º)

§ 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa.

Apesar de receptação ser delito acessório, para a sua punição não é necessário que se comprove a autoria do crime pretérito e nem que seu autor seja punido, bastando a prova da sua existência.

Entretanto, se houver absolvição do crime antecedente pelo fato de não ter sido praticado, ou por não constituir infração penal, ou por estar presente excludente de ilicitude, a receptação não será punida. Não se trata de excludentes da culpabilidade, como a menoridade do agente, pois ato infracional antecedente pode gerar receptação.

8 – Benefícios (art. 180, §5º)

§ 5º - Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do Art. 155.

Tais benefícios são aplicados a:

a) Receptação culposa: que será o perdão judicial, que terá os seguintes requisitos:

- Primariedade do agente;

- Circunstâncias indicarem a desnecessidade da pena.

Ressalte-se que, majoritariamente, entende-se que não importa o valor da coisa receptada. Ex: possível receptação culposa e perdão judicial quando a coisa receptada for uma Ferrari.

b) Receptação dolosa: que é o privilégio, que tem os seguintes requisitos:

- Primariedade do agente;

- Coisa de pequeno valor.

É possível receptação qualificada privilegiada, pois o art. 180, §5º não traz qualquer restrição, e por isso não cabe ao intérprete realizar a restrição.

9 – Causas de aumento de pena (art. 180, §6º)

§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.

Tal dispositivo apenas é aplicado ao caput.

10 – Escusas absolutórias (art. 181)

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

 

São aplicados a todos os crimes contra o patrimônio.

A natureza jurídica das escusas absolutórias é discutida:

- Causa de exclusão da punibilidade, sequer existindo o direito de punir do Estado;

- Causa de extinção da punibilidade, ou seja, o direito de punir do Estado que existia será extinto. Prevalece.

As hipóteses de escusas absolutórias são as seguintes:

1ª) Crime cometido contra cônjuge durante a sociedade conjugal:

Se ocorre após a separação de fato, mesmo assim estará abrangida pela escusa, pois não rompe o vínculo conjugal.

Abrange união estável, por ser analogia in bonam partem.

2ª) Crime cometido contra ascendente ou descendente:

Não abrange, pois a este é aplicado o art. 182 (não são escusas absolutórias, mas sim escusas relativas).

11 – Escusas relativas (art. 182)

Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:

I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;

II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

A natureza jurídica é de condição de procedibilidade, onde a ação penal passará a ser pública condicionada à representação.

Serve apenas para mudar o tipo de ação penal, não escusando nada. Por isso, a nomenclatura é criticada por CRB.

Hipóteses:

1ª) Crime cometido em prejuízo de cônjuge separado judicialmente;

2ª) Crime cometido em prejuízo do irmão;

3ª) Crime cometido em prejuízo de tio ou sobrinho com quem coabita: trata-se de tio que subtrai do sobrinho, ou vice-versa, desde que morem na mesma casa. Basta a coabitação, não precisando o crime ocorrer no mesmo teto.

As escusas absolutórias e relativas não são aplicadas em 3 casos:

Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:

I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;

II - ao estranho que participa do crime.

III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. 

Aplicam-se as escusas no crime patrimonial de violência doméstica e familiar contra a mulher, por falta de proibição da Lei 11.340/06, evitando-se analogia incriminadora. Se a vontade do legislador fosse de impedir a sua aplicação, o teria feito como ocorreu com o Estatuto do idoso. Violaria o princípio da legalidade. 

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